Equipe de transição tem discutido como manter programa Auxílio Brasil sem descumprir limite de gastos públicos. Regra prevê aumento de despesas limitado à inflação de 12 meses até junho do ano anterior. Fachada do Ministério da Fazenda, na Esplanada dos Ministérios
Bianca Marinho/G1
Os primeiros dias de trabalho da equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se voltaram, em grande parte, para a meta de viabilizar a manutenção do programa Auxílio Brasil em R$ 600, além do financiamento de outros gastos sociais. O principal desafio é como fazer isso sem furar o teto de gastos (veja abaixo vídeo sobre a PEC da Transição).
Mas, afinal, o que é o teto de gastos?
Proposto em 2016 pelo então presidente Michel Temer, quando a área econômica era chefiada por Henrique Meirelles, e em vigor desde 2017, o mecanismo do teto de gastos impõe um limite no valor que o poder público federal pode gastar a cada ano.
Por esta regra, o crescimento da maior parte das despesas públicas fica limitado à inflação registrada em 12 meses até junho do ano anterior. O mecanismo inclui também os chamados "restos a pagar" de orçamentos de anos anteriores. A norma engloba as despesas da União, incluindo os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de Ministério Público da União e Defensoria Pública.
Entenda abaixo o teto de gastos a partir dos seguintes tópicos:
Norma para controlar finanças
Incerteza e taxa de juros
Auxílio Brasil fora do teto
R$ 794 bilhões fora do teto no governo Bolsonaro
Saúde e Educação
Mudanças no governo Bolsonaro
Alckmin entrega texto da PEC da Transição ao Congresso; proposta tira Bolsa Família do teto de gastos
1. Norma para controlar finanças
Quando o teto de gastos foi criado, a equipe econômica justificou a medida como uma forma de controlar o rumo das finanças do governo. O Brasil gastava mais do que arrecadava, passou a acumular déficits primários sucessivos (gasto acima da arrecadação, excluindo os juros) e viu a dívida crescer.
Em 2015, por conta da piora nas contas públicas, o Brasil perdeu o grau de investimento – uma espécie de 'selo de bom pagador' e que assegurava a confiança dos investidores internacionais na economia brasileira. O teto de gastos surgiu para controlar o crescimento da dívida e dar previsibilidade sobre as contas públicas.
Já na criação do teto, no entanto, havia exceções a ele, como nos casos de transferências constitucionais aos estados, municípios e Distrito Federal e nas complementações ao Fundeb, fundo voltado para a educação básica.
2. Incerteza e taxa de juros
Contas públicas sob controle permitem que a taxa básica de juros da economia, a Selic, seja mais baixa – já que o governo é visto como 'bom pagador'. Com juros menores, é possível investir mais na economia, gerando mais crescimento e empregos.
Sem uma âncora fiscal clara, em períodos de discussão de mudanças no teto fiscal, a economia brasileira já enfrentou períodos de incerteza, com desvalorização do dólar em relação ao real.
Na manhã desta quinta-feira, o dólar operava em alta, com cautela do mercado pela proposta apelidada de "PEC da Transição", que prevê flexibilizar o teto de gastos.
3. Auxílio Brasil fora do teto
De acordo com o colunista do g1 Valdo Cruz, o PT quer que o Congresso aprove a exclusão permanente das verbas do atual Auxílio Brasil do teto de gastos. A tendência seria garantir, por meio da aprovação PEC da Transição, que o furo do teto possa vigorar nos quatro anos de governo.
Hoje, o Orçamento (recursos 'abaixo' do teto) prevê R$ 105 bilhões para o pagamento do Auxílio no próximo ano, o que permitira o pagamento de R$ 405 mensais aos beneficiários. A mudança colocaria esses R$ 105 bilhões para fora do teto – liberando esses recursos para outros gastos.
Veja os principais pontos do texto da PEC da Transição
O dinheiro 'extra-teto' compreenderia, além dos R$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil:
outros R$ 70 bilhões para fazer o valor do benefício chegar a R$ 600, e para pagar os R$ 150 a mais por criança até seis anos; e
Até R$ 23 bilhões provenientes de excesso de arrecadação (arrecadação não prevista no orçamento do próximo ano).
4. R$ 794 bilhões fora do teto no governo Bolsonaro
Levantamento do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), publicado em reportagem da BBC, aponta que o governo Bolsonaro gastou R$ 794,9 bilhões fora do teto entre 2019 e 2022, com autorizações dadas pelo Congresso e manobras como o adiamento do pagamento de precatórios.
5. Saúde e Educação
O teto de gastos também engloba as despesas em saúde e educação, mas alterou os "pisos" (valores mínimos a serem aplicados) nessas áreas. Até então, essas despesas estavam atreladas à receita do governo. Se a arrecadação subisse, os gastos mínimos em saúde e educação também deveriam, necessariamente, ser maiores.
Com a mudança, os valores mínimos nessas áreas passaram a ser corrigidos pela variação da inflação do ano anterior, e não mais pela receita. Na ocasião, o governo argumentou que o Congresso Nacional poderia aumentar os valores, mas que, em contrapartida, outras despesas deveriam ser canceladas.
6. Mudanças no governo Bolsonaro
Com a aprovação neste ano da proposta que ficou conhecida como "PEC Kamikaze", defendida por governistas para garantir o pagamento do Auxílio Brasil até o fim de 2022, o teto de gastos sofreu sua quinta alteração no governo Bolsonaro.
Relembre aqui as demais mudanças na regra desde setembro de 2019.